sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Quebrando pedras e plantando flores


Sempre digo que não há idade para ingressar no mundo das letras transformadas em histórias ou em dizeres poéticos.

Cora Coralina estreou na literatura aos 76 anos de idade e fez da vida e da morte uma poesia:

              "Não morre aquele que deixou na terra a melodia de seu cântico na música de seus versos".

Cora viveu de felicidade e de tristeza, teve uma infância que não deixou saudades. Ela escreveu isso muitas vezes:

“Quando nasci, meu velho pai agonizava. Logo após morria. Cresci sem pai, secundária na turma das irmãs.
Eu era triste, nervosa e feia. Amarela, de rosto empalamado. De pernas moles, caindo à toa. Os que assim me viam, diziam: ‘- Essa menina é o retrato vivo do velho pai doente’.”

Falava dos apelidos debochados, do sonho frustrado da mãe de ter um filho homem, dos trambolhões da escada; galo na testa, pernas moles. Falava de uma dor doída de uma infância que não viu o sorriso. A dor poderia tê-la paralisado, mas o cenário dos sentimentos viu outra apresentação. Cora Coralina rezou a saga da mulher vitoriosa:

“Ajuntei todas as pedras que vieram sobre mim. Levantei uma escada muito alta e no alto subi. Teci um tapete floreado e no sonho me perdi.
Uma estrada, um leito, uma casa, um companheiro. Tudo de pedra.
Entre as pedras cresceu a minha poesia. Minha vida... quebrando pedras e plantando flores.
Entre pedras que me esmagavam levantei a pedra rude dos meus versos”.

Cora Coralina não buscou o lado mais fácil da vida, mas conseguiu compreender que mesmo sem facilidade alguma era possível encontrar a tal poesia no cotidiano da dor. Não há poesia sem dor. A vida nasce da dor. O amor mais amado surge depois de uma dor prolongada: amor de mãe.

Não há amor sem conquista. Os amantes precisam ao menos se deixar conquistar. As artimanhas da sedução têm um encanto próprio de quem tenta tocar no ponto frágil e depois fortalecer juntos. Amores doídos os não correspondidos. História de ausências, de lágrimas de quem deu e não recebeu. Não deveria ser gratuito o sentimento daquele que ama? Não é gratuita a chuva que cai abundantemente? A vida, toda ela é uma graça.

Bem, mas os homens não são deuses. E poucos são aqueles que conseguem dar sem exigir; sem projetar... quebrando pedras e plantando flores.

Será que as pessoas que mais sofrem são as que mais amadurecem? Será que a dor é que tem o poder de dar majestade ao amor?


Um comentário:

  1. Muito bom!

    'Será que a dor é que tem o poder de dar majestade ao amor?'
    Quem dera saber responder. Quem dera.

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